Gatinhos (engracados)


Ao longo do próximo mês e meio, a PrivacyLx publica bissemanalmente a primeira edição de um blog intitulado “Descendo a toca do coelho”, com o objetivo de sensibilizar a sociedade civil para os perigos de viver numa sociedade sobre permanente vigilância, e mobilizar os portugueses na adoção de soluções que visem dirimir os olhares, que afetam o nosso comportamento e condicionam as nossas opções.


PARTE I - O problema

Capítulo 2 - Gatinhos (Engraçados)

Na transição do milénio, o crash bolsista “dot-com” afundou muitos dos ávidos investidores que olhavam para a internet como um mercado virgem a ser explorado. Mal sabiam que os tradicionais modelos de negócio não se adaptavam a este horizonte de novas oportunidades. Verificaram que as enormes injeções de capital não acompanharam o retorno do investimento, simplesmente porque os consumidores não estiveram dispostos (como esperado) a pagar pelos serviços prestados por esta tecnologia em rápida ascensão e de enorme potencial, capaz de criar um mercado à escala global e sem fronteiras. Ficou claro, que seria necessário encontrar um novo modelo de negócio.

Neste século houve um desenrolar de acontecimentos que nos fizeram gostar ainda mais dos gatos (engraçados), e consequentemente da internet, através de memes e partilhas. Após os PCs (computadores pessoais) democratizarem o acesso, os telemóveis capacitaram os utilizadores a estarem sempre ligados. As selfies, as aplicações “gratuitas” e as redes sociais massificaram a utilidade. Recordo-me de um meme que satirizava esta realidade, comparando aos sete pecados mortais: Uber Eats, a gula; Facebook, a inveja, Instagram, a vaidade; Twitter, a ira; Tinder, a luxuria; Netflix, a preguiça, e Linked In, a avareza. :)

Ainda quem tenha tido a capacidade de explorar e tirar partido das sutilezas da natureza humana, a internet já não é apenas um espaço ocupado por nerds e geeks, de gostos refinados, exigentes e soberanos na escolhas que fazem sobre os equipamentos e programas informáticos que compram, capazes de influenciar as decisões dos fabricantes. É de todos, e também um território de nescidade onde se instiga a indignação (1), pois assim que nossa atenção é capturada é possível rentabilizá-la; ao mesmo tempo que os dados (pessoais) que vazam dos computadores e telemóveis, alimentam transações à fração de segundo, para serem comercializados - algures - num mercado de compra e venda digital.

A internet tende a premiar os vencedores de forma absoluta (“The winner takes it all”), ou seja, as empresas mais adaptadas a proporcionar melhor serviços capturam o bolo por inteiro, deixando apenas a migalhas para a fraca concorrência. É essencialmente esta a natureza centralizadora da internet, que associada à ascensão da ‘Internet das Coisas’ (IOT Internet of Things) relativiza a omnipresença e a omnisciência de Deus. Nesta sociedade de moeda fiduciária (2) baseada na confiança e aval do Estado, nem o nosso dinheiro será um segredo exclusivo do setor bancário com o emergir das empresas financeiras tecnológicas (Fintechs), onde estão lançadas as sementes para a distopia, e na qual um pequeno conjunto de empresas será omnipotente.

A História tende-se a repetir, logo é importante não apagar da memória os acontecimentos do passado para não incorrer nos mesmos erros no futuro. Foi no rescaldo da queda bolsista (que mencionei anteriormente), que se sucederam os trágicos acontecimentos de 11 de setembro de 2001, cujas repercussões no combate ao Terrorismo se alastraram até ao presente (3), ou seja; o incidente abriu portas para que se cometessem algumas irregularidades como o atropelo aos Direitos Humanos (4); através de um controlo por vezes abusivo da restrição de liberdades, direitos e garantias (5); transgredindo os princípios constitucionais (6).

O conceito utópico original prometido pela internet, de espaço aberto, neutro, democrático e sem fronteiras, está gradualmente a ser subvertido, com o poder político a estender o seu potencial mais nefasto.

Vemos isso com a ascensão da primeira ditadura digital - a China; ou na tentativa de perpetuação de líderes no poder, primeiro com Xi Jinping e Putin; outros, com estratégias de divisão e censura da imprensa livre poderão sentirem-se tentados. A contínua degradação global dos ecossistemas e a ascensão de partidos populistas e de extrema direita poderão acender o rastilho, e ser apenas ser uma questão de tempo, até que a próxima crise económica e consequente fluxo migratório de refugiados inverta a representação política e a ordem democrática vigente.

Sabendo de antemão que o acesso e a empregabilidade de dados pessoais pode servir fins perversos(7); e que temos mais capacidade de computação na palma das nossas mãos do que a tecnologia que colocou o Homem na Lua, perdemos horas a fio a contemplar futilidades, enquanto a inteligência artificial é alimentada com dados resultantes da análise efetuada por esses comportamentos e através da leitura de centenas de milhares de livros digitalizados.

(1) - About: «One of the best ways to manipulate attention is to appeal to outrage and fear, emotions that increase engagement. » ~ Source: Roger McNamee, I Mentored Mark Zuckerberg. I Loved Facebook. But I Can’t Stay Silent About What’s Happening, Time, 17 January 2019, https://time.com/5505441/mark-zuckerberg-mentor-facebook-downfall/

(2) - About: https://en.wikipedia.org/wiki/Cashless_society

(3) - About: «The pressure on anonymous communication has grown substantially after the 2001 terrorist attack on the World Trade Centre and the subsequent new political climate. Although it is still difficult to oversee their exact implications, measures such as the US Patriot Act, the European Cybercrime Convention and the European Union rules on data retention are only few of the signs that the exercise of the right to the anonymous exchange of information is under substantial pressure. » ~Source: https://en.wikipedia.org/wiki/Anonymity

(4) - Example: Guantanamo detention camp.

(5) - Example: The Patriot Act.

(6) - Example: The Lavabit affair:

(7) - About: https://time.com/5290043/nazi-history-eu-data-privacy-gdpr/

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