Ao longo do próximo mês e meio, a PrivacyLx publica bissemanalmente a primeira edição de um blog intitulado “Descendo a toca do coelho”, com o objetivo de sensibilizar a sociedade civil para os perigos de viver numa sociedade sobre permanente vigilância, e mobilizar os portugueses na adoção de soluções que visem dirimir os olhares, que afetam o nosso comportamento e condicionam as nossas opções.
PARTE I - O problema
Capítulo 3 - O Sapo em Ebulição
Sir Berners-Lee, carinhosamente conhecido por pai da internet, disse na Web Summit que decorreu em Lisboa, no ano que marcou o 30º aniversário da World Wide Web, que alguns dos problemas que esta enfrenta, estão relacionados com notícias falsas, falta de privacidade, abuso de dados pessoais e a forma como as pessoas são catalogadas e manipuladas (1). Podemos estender esta lista, em particular às redes sociais. Passo a enumerar (2): o vício digital alimentado pelo deslizar de um polegar sobre um telemóvel como se de uma slot machine se tratasse; o desequilíbrio mental resultante do constante apelo aos nossos sentidos, a comparação social (automática) e o bullying digital; a quebra de verdade, provocada por fontes de desinformação que distorcem os factos ou ativamente promovem a mentira; a polarização política, provocada por algoritmos de pesquisa que nos retêm enclausurados nas nossas convicções; a manipulação política, provocada por ciberguerras financeiramente menos dispendiosas que as guerras convencionais; a superficialidade das redes sociais.
Afinal, não é mais desejável usarmos a tecnologia em vez de deixarmos a tecnologia usar-nos? Infelizmente, o oposto está a acontecer! Deixámo-nos levar pelas facilidades introduzidas por cartões de fidelização que prometem descontos e alguma conveniência em troca da cedência de dados pessoais e de consumo. Aceitámos instalar aplicações sem ler os extensos termos de serviço (3). Tudo isto pela «falta de conhecimento dos direitos, procedimentos complicados e dispendiosos, e poucos benefícios financeiros decorrentes da conduta individual» (4). Assim, quem não adere fica prejudicado neste mundo competitivo.
O “capitalismo” de vigilância condiciona o uso que fazemos da tecnologia, e este está a concentrar uma enorme quantidade de informação em torno de poucos decisores dos quais quase nada sabemos (5). Esta é uma tendência que está a acelerar (6), à semelhança de outras tecnologias (7). A rápida adoção de novos gadgets e wearables apetrechados de diferentes sensores capazes de medições biométricas em tempo real (8), coletam (tracking) um leque alargado de informações, muitas vezes sem consentimento ou porque, simplesmente, o assunto não nos preocupa - qual sapo em via de atingir o estado de ebulição! (9)
Se tomarmos em consideração que, atualmente possuímos tecnologias que eram futuristas apenas há duas décadas atrás (por exemplo: viaturas autónomas), não será de certo difícil ver as próximas a chegar ao mercado. Existem empresas a canalizar avultados investimentos para as tecnologias do futuro, seja através de dispositivos físicos implementados em crânios humanos (10), quer de programas informáticos (software) capazes de os operar (11). Citando uma frase de Edward Snowden: «… quando o nosso equipamento funciona, nós também trabalhamos, mas quando pára, nós paramos. O que possuímos, possui-nos.» (12)
O futuro é agora! Outras tecnologias já saltaram dos livros de ficção para a realidade. Vejam-se os robots humanoides criados pela companhia norte-americana Boston Dynamics (13), capacitados de inteligência artificial e capazes de superar tarefas humanas ou a desempenhar ações militares em terreno de combate. Ou então, o seu fiel amigo (14) de quatro patas.
Os computadores superam já muitas faculdades humanas, como a capacidade de interpretar imagens ou disputar uma partida de xadrez. Visionários como Ray Kurzweil, antecipam o ano em que a capacidade de computação ultrapassa o poder combinado de todos os cérebros humanos. Assim, tal como trocámos privacidade por comodidade, também saberemos abdicar de liberdade por segurança.
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(1) - «Berners-Lee admitted, before listing some of the many problems of the modern web: fake news; problems with privacy; abuse of personal data; and the way people can be profiled and then manipulated. » Source: https://www.zdnet.com/article/tim-berners-lee-wants-to-fix-the-web-30-years-on/
(2) - Source: https://humanetech.com/
(3) - Reading the Amazon Privacy Terms (there’s a full extended version): https://invidio.us/watch?v=sxygkyskucA
(4) - Original: “a lack of knowledge of rights, complicated procedures, costly cases and little financial benefits from pursuing cases individually”. Fonte: Noyb, Making Privacy a Reality, 2017, p 8, https://noyb.eu/wp-content/uploads/2017/11/concept_noyb_public.pdf
(5) - Source: «They know everything about us; we know almost nothing about them. » Fonte: Shoshana Zuboff (book author of: Surveillance Capitalism)
(6) - The natural flow of technology tends to move in the direction of making surveillance easier, and the ability of computers to track us doubles every eighteen months, in reference to Moore’s law. ~ Zimmermann’s Law
(7) - About: https://en.wikipedia.org/wiki/Accelerating_change
(8) - About: https://en.wikipedia.org/wiki/5G
(9) - About: https://en.wikipedia.org/wiki/Boiling_frog
(10) - About: https://www.mic.com/articles/126430/the-phone-of-the-future-will-be-implanted-in-your-head
(11) - About: https://techcrunch.com/2019/07/30/facebook-is-exploring-brain-control-for-ar-wearables/
(12) - Source: «… when our equipment works, we work as well, but when it stops, we stop. That what we possess possesses us. » Fonte: “Permanent Record” by Edward Snowden
(13) - Videos: https://invidio.us/channel/UC7vVhkEfw4nOGp8TyDk7RcQ
(14) Source: https://www.pcmag.com/news/robot-police-dogs-are-starting-to-become-a-reality